O W20 Brazil manifesta seu repúdio absoluto aos ataques brutais contra mulheres ocorridos nos últimos dias no país. Esses feminicídios não são episódios isolados: são a face visível de um problema estrutural que há anos alcançou níveis considerados epidêmicos por especialistas. A violência de gênero molda decisões cotidianas de milhões de brasileiras, restringe mobilidade, oportunidades de trabalho e estudo e interrompe sonhos e projetos de vida.
O feminicídio é apenas a parte emergente de um iceberg muito mais profundo. A ponta que vemos são os crimes que chocam o país; o que permanece submerso, e que insiste em não ser encarado, inclui práticas cotidianas de misoginia, a educação que falha, a naturalização da violência, a impunidade que se repete e uma cultura patriarcal que ainda define lugares sociais para homens e mulheres.
Os dados confirmam a gravidade. O Brasil registrou 1.492 mulheres assassinadas por serem mulheres em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o pior índice desde 2015. Só a capital paulista já contabiliza 53 feminicídios em 2025, antes do fim do ano. O aumento da letalidade, com maior uso de armas de fogo, e a extrema brutalidade dos casos recentes evidenciam o sentimento de impunidade que prevalece no país.
A violência que tira vidas na vida adulta é construída muito antes. A pesquisa Livres para Sonhar, da Serenas, com mais de 1.400 participantes, demonstra que as desigualdades e agressões se normalizam na escola:
- 7 em cada 10 professores já viram meninos sexualizando ou assediando meninas
• 45 por cento relatam comentários machistas sobre alunas
• 81 por cento observam xingamentos LGBTfóbicos frequentes
• 77 por cento dizem precisar de formação, mas apenas um terço recebeu capacitação
Essa base submersa do iceberg inclui ainda as múltiplas violências sofridas por mulheres negras, indígenas e periféricas, que concentram maior vulnerabilidade devido à sobreposição de fatores raciais, econômicos e territoriais. A violência de gênero afeta todas as fases da vida e já atinge também mulheres idosas, refletindo um padrão que se expande e se aprofunda.
A impunidade é um dos pilares que sustentam esse ciclo. Apenas 38 por cento dos homicídios no Brasil, incluindo feminicídios, são solucionados. Enquanto a sanção não for efetiva e a rede de atendimento não funcionar de forma integrada, o agressor continuará contando com a omissão institucional e social.
Prevenir feminicídios exige muito mais do que aumentar penas ou distribuir instrumentos de autodefesa. Exige políticas públicas baseadas em evidências, educação integral para a igualdade, formação continuada de profissionais da saúde, educação, assistência e segurança, acolhimento qualificado e uma rede capaz de identificar a violência desde seus primeiros sinais. Exige também enfrentar a cultura patriarcal, ampliar a representação das mulheres nos espaços de decisão e garantir autonomia econômica para que nenhuma mulher permaneça em uma relação violenta por falta de alternativas.
E isso inclui, de maneira inegociável, o engajamento dos homens. Transformar as estruturas que produzem desigualdade é responsabilidade coletiva. Sem a corresponsabilidade masculina, nenhuma política será suficiente ou duradoura.
O W20 Brazil reforça que o compromisso com a equidade de gênero, expresso no Communiqué, demanda que governos, empresas e instituições enfrentem as causas, e não apenas as consequências, da violência. Nada substitui a prevenção. Nada substitui o investimento em igualdade. E nada justifica a normalização da brutalidade que tem marcado estes crimes.
A vida das mulheres não é negociável. Não haverá desenvolvimento, democracia ou futuro possível enquanto persistirem estruturas que autorizam e reproduzem a violência de gênero. Vale reforçar que a produção social de uma masculinidade baseada na violência é hoje um fator determinante de morte: homens matam e morrem mais, suicidam-se mais e, em proporção significativa, tiram a vida de mulheres.
O Brasil precisa agir agora, nas escolas, nas comunidades, nas instituições e em todos os espaços de poder. Prevenir feminicídios é responsabilidade de todos nós.




